![Imagem](https://papobla.wordpress.com/wp-content/uploads/2014/04/ditadura-tortura.jpg?w=650)
“O Brasil é um país sem memória”, propaga incessantemente por meio de seus ideólogos das elites a imprensa brasileira, as mesmas que escondem e escondem-se dos fatos e sobre os fatos. Um desses fatos que foi tratado de ser escondido foi a ditadura militar de 64-85. Essa história, aliás, escrita com sangue, mutilada, sequestrada, torturada e perseguida. Ainda assim, apesar de toda tentativa de propagar o esquecimento, a face verdadeira da história ressurge e denuncia, clama por justiça as muitas vozes que não se podem silenciar, muito menos esconder.Falar sobre as mentiras relativas ao golpe de 64 e da imposição do regime ditatorial, os longos 21 anos de atraso não é tarefa das mais fáceis, não por falta de assunto ou ocasião. Falta mesmo é espaço, papel, espaço em branco para tanta mentira. Como não se pode falar sobre todo processo dos anos de chumbo, vou me deter em apenas quatro. Quatro mentiras que surgem nessa época de mobilização, onde uma juventude vai às ruas, muitas delas sem saber que esse direito, hoje quase escancarado, custou muito caro.
1) Não houve golpe:
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Que as articulações envolvendo as elites do país e os embates nos diversos seguimentos, que culminaram, mais tarde, no golpe e no consequente enfrentamento já estava sendo arquitetado bem antes, é fato. De um lado, os movimentos sociais organizados, a materialização de diversas conquistas, um governo progressista à frente do país e, do outro, uma elite e suas posses, num mundo dividido pela guerra fria em uma América latina caminhando para intensos processos de reformas e revolucionários. O país vivia um histórico despertar político e social.
O Brasil se recuperava da era Vargas, e já era alvo de um novo golpe, esse já estava ensaiado. Em 25 de agosto de 61, após a renuncia de Jânio Quadros, tentaram impedir a posse do vice, João Gulart, na época em viagem à China. A chamada “Campanha da Legalidade”, comandada por Leonel Brizola, conseguiu barrar as forças armadas e contou com o forte apoio dos movimentos sociais, como a UNE. O interesse era claro: tomar o poder.Em 64, ao se apossarem do poder, a burguesia nacional juntamente com os militares, conseguiram impedir as chamadas “reformas de base”. O PCB por sua vez, mergulhado na “ilusão de classe”, convocou a população a não se levantar contra o golpe, o que resultou em um contra golpe desarticulado e sem uma direção nacional, coesa, capaz de responder à altura aos anseios do povo.
Com o patrocínio da elite nacional, articulada com a CIA, os brasileiros viram 5.000 militares americanos, com direito até a porta-aviões, se apossar de seus destinos. O argumento da extrema direita de que “estava salvando o país da ameaça comunista”, que “foi, na verdade, uma revolução, não um golpe”, e que “o povo clamou, pediu ao exercito que restabelecesse a ordem no Brasil”, impedindo assim de ver surgir uma nova Cuba foi orquestrada, planejada e dirigida por uma minoria, rica e abastada, os maiores interessados em tomar o poder das mãos de um governo eleito democraticamente. E o que foi visto?
- Derrubar Jango e colocar o general Castelo Branco no poder era plano traçado. Recebeu ajuda direta do imperialismo americano, de figuras como John Kennedy e do embaixador americano Lydon Johnson, como mostra o documentário de Camilo Tavares, “O dia que durou 21 anos”;
- Não houve revolução alguma. A mesma pressupõe uma transformação radical na estrutura política, social e econômica, toda essa mudança pautada em uma mudança ideológica, comum. O que teve foi um golpe, uma manobra para lesar a ordem, impor anseios de uma minoria;
- O interesse americano no mundo não é coisa nova; a CIA, criada para perseguir a liberdade alheia e espionar o mundo, teve papel fundamental no apoio ao golpe. Que revolução foi essa?
2) Não houve violência alguma no Brasil durante o regime militar:
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20 mil pessoas torturadas, 50 mil presos, 7 mil militares cassados, operários e camponeses, mulheres e crianças desaparecidas até hoje. Esse foi o saldo total que a ditadura deixou. A operação Condor, criada como uma forma de interação entre as ditaduras da América do Sul deixou marcas irreparáveis até hoje em nossa formação cultural, política e humana. Os casos envolvendo a extrema direita nacional mergulhou num atraso nunca antes visto em nossa história.
Com o apoio incontestável de gigantes da mídia nacional, como o “Estadão” era fácil deturpar os fatos, transformando estudantes perseguidos em terroristas procurados. Mas a verdade não tem pernas curtas:
- O caso de Stuart Angel, só pra exemplificar o tamanho da brutalidade do regime, não podia ser escondido por muito tempo: Stuart, militante da VPR, foi torturado e depois amarrado com o escapamento de um jipe dentro de sua boca. Morrendo queimado por dentro;
- Vladimir Herzog teria se enforcado, segundo a versão oficial, com um cinto do macacão de presidiário;
- Manoel Fiel Filho, operário paulistano, integrante do PCB, teria se enforcado com uma meia sua, mesmo tendo sido provado que ele, na ocasião da prisão, estava de sandálias;
- Em 78 a farsa veio à tona: Harry Shibata, legista “amigo do regime”, afirmou que os laudos necroscópicos eram assinados sem sequer uma análise mínima, bem como os atestados de óbito.
3) O falso milagre econômico:
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Entre os anos de 69 e 73 o Brasil viveu um período de “aparente” crescimento, denominado de Milagre Econômico, sentido principalmente pela classe média, dando popularidade ao regime. Tal milagre contrastou com o auge da repressão da ditadura. De um lado os meios de comunicação, utilizando a Copa do Mundo do México como exemplo desse desenvolvimento, enquanto pessoas simplesmente “desapareceram” sob o Slogan dúbio “Brasil, ame-o ou deixe-o”.
A verdade é que o país se abriu de vez para o capital estrangeiro; casos como de Angra I, a primeira usina brasileira, construída pela americana Westinghouse, a liberação dos contratos de riscos do petróleo nacional em 75, com a desculpa de que “O país não tinha condições de desenvolver a produção”. Do lado da grande população a redução dos salários, o desemprego em massa e o crescimento de 30.000% da dívida externa (era US$3,2 bilhões em abril de 64, passando para 100 bilhões em 84). Ou seja: para os “amigos” do regime, sombra e água fresca e para os opositores pau de arara e sofrimento.
4) A ditadura acabou:
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Após 21 anos de atrocidades e muita luta popular pelo fim do regime de violação o governo militar estava notadamente desgastado:
- 16/02/77: uma comissão internacional de juristas católicos denunciam as torturas no Brasil. As entidades representativas voltavam seus olhos em torno dos problemas, o intuito era claro; por um fim aos abusos. Já não era possível manter as aparências do regime. O motor da “máquina da mentira” estava ruindo;
- 19/05/77: o dia nacional de luta pela Anistia, organizada pelo movimento estudantil, reuni 10 mil pessoas em frente à faculdade de direito da USP, ao mesmo tempo a UNB entra em greve. O motivo: a prisão de 17 de seus estudantes;
- 20/09/77: tem início a campanha pela assembleia constituinte, enquanto os generais brigavam entre si pela sucessão de Ernesto Geisel, com a população nas ruas, gritando, “Vai acabar, vai acabar, a ditadura militar!”;
O desgaste era evidente. Já não dava pra sustentar o golpe, e o povo havia acordado para essa realidade. A essa altura, todo o tipo de luta era feita e desenvolvida pelos movimentos organizados. Um modo de exemplificar a questão se encontra na musica “Situação”, de Taiguara (cantor mais censurado do país nessa época) lançada e censurada em 77:
“Não, não adianta não
A situação já esta fora das suas mãos
Não, não adianta não
Como é que você vai me dar
O que já é meu
Como é que você vai criar
O que já nasceu
Como é que você resolveu
Que eu sou livre, Agora você esqueceu
Que só quem pode me libertar
Sou eu
Você diz que esse é o tempo
Da vida se distender
Mas quem faz primavera é o inverno
Não é você
Volta sempre um momento na história
Em que mais um império deixou de ser
Pois assim é o futuro p’ra nos
Só o que você vai mesmo fazer
É sair ou deixar eu me abrir
E deixar tudo acontecer
É sair ou deixar eu me abrir
E deixar tudo acontecer”
Na medição de forças a mobilização se fortalecia ainda mais:
- 2/11/78: é criado o Conselho Brasileiro de Anistia (CBA) em São Paulo, logo se espalhando pelo país inteiro. O governo Figueiredo se viu obrigado a sancionar uma lei de Anistia, mesmo que tenha sido uma anistia limitada;
- 29/12/78: o AI-5 é banido;
- 29/05/79: é realizado o 31° congresso da UNE, onde se reconstrói a entidade (o ultimo congresso da entidade havia sido o fatídico congresso de Ibiúna, em 68, São Paulo);
- Setembro de 79: os exilados políticos voltam ao país. Entre os nomes encontravam-se Betinho, Apolônio de Carvalho, Miguel Arrais, Leonel Brizola, Diógenes Arruda, Luís Carlos Prestes e tantos outros.
Entretanto, apesar da abertura do regime e sua posterior “queda”, a conquista da redemocratização nacional, com importantes passos como as Diretas já, ainda há muito no que avançar nesse tema, especialmente se olharmos a postura de outros países com relação às ditaduras, como no caso do Chile e da Argentina. A anistia no Brasil serviu mais para calar a esquerda articulada e as pressões internas e externas. A mesma anistia que serviu para devolver os direitos de exilados e perseguidos, também serviu para colocar uma pedra sobre os protetores do regime e seus algozes.
Muitos torturadores ainda estão impunes, vivendo suas vidas escondidas, enquanto milhares de famílias como as de Honestino Guimaraes, Manuel Aleixo, Fernando Santa Cruz e tantas outras, se quer tiveram direito de enterrar seus filhos, irmãos, parentes e amigos. A comissão nacional da verdade, criada pelo governo Dilma avançou pouco no quesito “justiça” quando se trata em reparar a história de nosso país.
Não se trata de uma mera formalidade, muito menos revanchismo. Não dá pra deixar impune torturadores e patrocinadores do regime militar. Aos movimentos sociais cabe exigir tal postura por parte das autoridades, resgatar a história de nossos heróis e desmascarar os resquícios dos 21 anos de terror deixados pela extrema direita nacional, como evidenciou Renato Russo, em uma de suas canções mais politizadas “La Maison Dieu”:
“O terror continua
Só mudou de cheiro
E de uniforme…
Nunca poderemos esquecer
Nem devemos perdoar
-Eu não anistiei ninguém”.