Uma falsa Polêmica. . .

bolsonaro

Foto do blog Farol de Notícias, de Serra Talhada. 

 

“O homem, charmar-lhe mito, não passa de anacoluto”.

(Carlos Drummond de Andrade).

 

A polêmica do outdoor do bolsonaro ocorrida no sertão pernambucano (Serra Talhada), levanta algumas discussões que precisam ser refletidas. Me chamou a atenção o debate em torno do que é ou não intolerância. Pra mim, uma falsa polêmica. O ato de aceitar ou não, pontos de vista diferentes ou a ausência de tolerar, ou seja, não suportar certos pontos de vista, esconde alguns debates um pouco mais urgentes. Me parece óbvio que, uma figura que propaga o ódio e a intolerância não pode esperar outra coisa se não intolerância. No caso de bolsonaro acredito que não temos mesmo que suportar tal afronta. Sim. Violência e intolerância. É isso que a figura inóspita desse ser suscita: Racismo, machismo, preconceito, arrogância, ignorância, intolerância, tortura, homofobia, xenofobia, fascismo, e tantos outros males intoleráveis para essa sociedade que, não à toa, rechaça esse tipo de atitude, haja vista a opinião acerca do que foi os 21 anos de regime militar, período mais corrupto, traiçoeiro, antidemocrático e violento de nossa história nacional.

Exaltar nomes como Ustra, criador de manuais de tortura no famigerado DOI-codi, onde morreram mais de 50 pessoas sobre seu comando, além das denuncias de estupro, seqüestro, cárcere privado, choques e outras atrocidades patrocinados por empresários da estirpe de Albert Boilesen e da CIA, que patrocinou, ensinou e promoveu o terrorismo em nosso solo e em toda a America Latina. Ou seja, nossa sociedade (a despeito de certos grupos conservadores, muitos deles escondidos na covardia dos porões deixados cobertos pela ‘tímida’ lei de Anistia) é contra todas as atrocidades promovidas pelos militares e seus monstros. Para o fascismo, tolerância zero. Mais violento do que pichar o outdoor do bolsonaro é a figura do mesmo. A atitude de exaltar um monstro. O que podiam esperar de quem se presta a destilar o ódio?

E é preciso que se reveja algumas inverdades: Reproduzir as velhas mentiras sobre Che Guevara, Marighella, e a luta armada, momento justo de enfrentamento aqueles que usurparam um governo legitimamente eleito pelo povo, é, mais uma vez, covarde e mesquinho. Os dados utilizados são os mesmos, repetidos, como as mentiras acerca da URSS, tão difundidas por nomes como W. Hearst, chamado “pai da imprensa marrom”, que durante décadas dedicou-se a espalhar mentiras com seus 25 jornais, 24 semanários, 12 rádios e as muitas agências de notícias internacionais. É aquela velha história: os nossos livros de história diziam (alguns ainda dizem) que o brazil (com Z mesmo) foi “DESCOBERTO” pelo Português europeu salvador e etc. os mesmos livros que dizem que vivemos numa democracia racial, cultural e outras mentiras.

 Do mesmo modo surge o medo e o sentimento de ódio pela academia. Dizer que a UAST é um foco de subversão, de organização e sublevação me parece, também, óbvio.  O ambiente acadêmico é desconhecido por certos setores que, como de praxe, se utilizam da arrogância, argumento de quem não tem argumento. A “federal” assusta por ser um ambiente de debate, de construção, de diálogo e, portanto, de resistência. A universidade seria assim, mesmo se não existisse sindicalismo, movimentos sociais ou mesmo as tão odiadas pelas elites, as ciências humanas, as mesmas que uma galera não entende muito, não gosta muito, especialmente quando o professor ou professora está em aula, deixando alguns para desabafar nas redes sociais (a fogueira das vaidades) sua militância e insatisfação contra a ‘doutrinação marxista’ dos cursos das federais. Lembro da aula pública ano passado, promovida pelo núcleo de direitos humanos da UAST onde, covardemente, desligaram a energia durante a fala de uma das professoras enquanto denunciava o golpe, ou os cartazes espalhados pela unidade com fotos e dizeres da página orgulho hetero, sobre a redução da maioridade penal. Detalhe: um dia antes tinha ocorrido uma palestra sobre o tema, com uma psicóloga e um advogado. O argumento de alguns menos medrosos: “não adianta ir, dar nossa opinião. Vocês não iriam nos respeitar”. É quase tão contraditório quanto defender o estado mínimo, mas não abrir mão da vaga numa instituição pública ou a futura carreira no setor público adquirida futuramente num concurso. “mérito meu, claro”.

Esse debate sobre a universidade me lembra o texto “Universidade para Quê?” do Darcy Ribeiro. É um texto pequeno. Não se acanhe em ler. Outra: ele não é marxista, só pra constar. Pode ler sem correr riscos de doutrinação. A universidade incomoda, justamente por ser um espaço de discussão. Ponto. Academia é isso. Pronto. Questionar os movimentos sociais ou a vida de quem participa do mesmo? Isso é a coisa mais normal. Os movimentos sociais têm origem no povo, com todas as suas nuances e colocações. Não possui a sombra de nomes que não podem ser ditos. Se quer tocados. O erro de quem pichou o outdoor, em minha opinião, foi não ter assinado. E falando em erro, a consoante esquecida do substantivo masculino em questão, deve-se, eu acho, a dois reflexos de nosso povo: a falta de mais investimentos em educação e o não uso de termos por nosso povo. Fascismo é palavra feia. É palavrão. Não estamos habituados a usar esse tipo de substantivação. Os brasileiros e brasileiros não compactuam ou concordam com essa aberração.

Ainda sobre a questão da educação, o caminho do menor esforço, tão espalhado pelo chauvinismo autoritário dos herdeiros de hitler, parece mais viável. Pra quê gastar com saúde, educação, lazer e cultura, se podemos castrar ou matar, punir, reduzir a menoridade, pagar menos as mulheres, educar melhor nossos filhos para eles não ousarem se misturar com negras ou colocar uma arma em cada par de mãos e pronto. Resolvido o problema: Rafael Braga preso, Amarildo Dias morto, Thor Batista desfilando numa Mercedes de R$3 milhões (importada, claro) e a escola COM partido. Pensar dói. Refletir exige bem mais de nós. É por isso que é mais fácil jogar com o desespero e a desinformação. O senso comum é isso.

Em época de golpe, a Desobediência Civil (de Thoreau. olavo não) é esperada. Interessante. Lembro que, para poder fazer uma arte coletiva na fachada da UAST, durante a ocupação ano passado (ocupação do público. Complexo, não?) pedimos liberação a direção local da unidade. Interessante: organizações como o Coletivo Fuáh (axé!), movimento Diverso, eBasta, Macondo, NDH, DCE, DAs e etc. encontram espaço nesse mundo chamado universidade. Absurdo, né? Sabe uma coisa que deveria incomodar? Meu candidato pegar dinheiro sujo e devolver. Estranho, né? Ele ainda pegou. Pegou pra quê mesmo? Não sei. Sei que esse episódio me fez lembrar os versos do Renato Russo na canção “La Maison Dieu”:

 

 


“Eu sou

A pátria que lhe esqueceu

O carrasco que lhe torturou

O general que lhe arrancou os olhos

O sangue inocente

De todos os desaparecidos

Os choques elétricos e os gritos (…)

Eu sou a lembrança do terror

De uma revolução de merda

De generais e de um exército de merda

Não, nunca poderemos esquecer

Nem devemos perdoar

Eu não anistiei ninguém

Abra os olhos e o coração

Estejamos alertas

Porque o terror continua

Só mudou de cheiro

E de uniforme” (…)