“Os Torturadores no Brasil Não São Punidos”, Afirma Relator da ONU

relator da ONU

Juan E. Méndez, relator especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU

Foi o que constatou o argentino Juan E. Méndez, relator especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em entrevista coletiva realizada no início do mês de Agosto. Méndez é advogado, professor, ex-preso político e milita na área de direitos humanos há mais de trinta anos, além de ser o primeiro latino-americano que assume esse cargo na ONU. Durante 12 dias de visita em delegacias, penitenciárias e casas de detenção para menores infratores nos estados de Brasília, São Paulo, Alagoas, Maranhão e Sergipe, ele apurou que “não viu nesses lugares uma condenação se quer por tortura ou abuso de autoridade”, além de criticar a falta de estrutura e superlotação nos presídios, demonstrações de que o Brasil está longe de tentar resolver o problema da violência e da impunidade em seu território.

Outra preocupação apresentada pelo relator da ONU foi com a redução da maioridade penal. Para ele, tal medida contribui ainda mais com os problemas de superlotação e estrutura dos presídios em nosso país, além de ser uma violação de regra do direito internacional. O fato de haver “um alto grau de tortura durante os interrogatórios nas delegacias e os torturadores não serem punidos” reforça a discussão sobre os resquícios dos 21 anos de regime militar que tivemos a revisão da lei da Anistia, pedido feito pela Comissão Nacional da Verdade, além do clima de impunidade geral em nossa sociedade.

Juan Méndez vai apresentar um relatório oficial ao Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a sua visita. Vale lembrar que não é a primeira vez que o Brasil é intimado pelas organizações internacionais para rever suas leis em relação aos direitos humanos.

Pela Desmilitarização da Polícia

police

“A polícia só existe pra manter você na lei: lei do silêncio, lei do mais fraco. – ou aceita ser um saco de pancada ou vai pro saco”

As recentes cenas de violência promovida pela Polícia durante a manifestação dos professores do Paraná e os assassinatos nas favelas do Rio de Janeiro, reacenderam o debate sobre a desmilitarização a polícia, debate que estava um pouco esquecido pela grande mídia, pouco interessada nessa questão. Com armas de choque, balas de borracha, cassetetes, spray de pimenta, gás lacrimogêneo e jatos d’água, mais uma vez a PM espancou, reprimiu, bateu e machucou em simples professores com bandeiras, cartazes e faixas, reforçando o quanto a Polícia Militar é despreparada para lidar com a dinâmica de uma sociedade democrática e que precisa ser revista completamente enquanto instituição, sua função e sua necessidade.

Não é de hoje que essa reivindicação vem sido colocada por diversos seguimentos dos movimento sociais, organizações de direitos humanos, a Comissão Nacional da Verdade e outros órgãos internacionais. Em 2012, em relatório de seu Conselho de Direitos Humanos, a ONU classificou a Polícia Militar brasileira como uma das principais violações dos direitos humanos no país. Já a Anistia Internacional definiu que o abuso e a violência policial é um problema nacional crônico.

Polícia pra quem?

 

Criada para reprimir e auxiliara repressão durante a Ditadura Militar nas torturas, sequestros e desaparecimento de corpos de presos políticos. Com essa herança maldita desse vergonhoso regime, a PM hoje se encontra cada vez mais em descrédito diante da sociedade, sobretudo com o acesso cada vez maior das chamadas redes sociais, que ajudam na divulgação e na denúncia, sem precisar passar pelo aval das grandes redes de TV ou jornais. Caso emblemático foi o do carioca Amarildo, quando diversos sindicatos, organizações de bairro, entidades estudantis e intelectuais progressistas fizeram a campanha “Cadê o Amarildo?” que forçou o esclarecimento desse crime bárbaro.

A questão é que não dá mais, em pleno século XXI a existência de uma organização com esses princípios: conservadorismo, tortura como método de trabalho (como mostrou o filme Tropa de Elite), a proibição de expressarem suas opiniões, péssimas condições de trabalhos, a negação de representação sindical e um mínimo plano de cargos e carreiras par a categoria. Responsável pelo chamado policiamento ostensivo (ou seja, com intenção de mostrar alguma coisa) e a preservação da ordem pública, os PMs encontraram bastante reprovação, sobretudo depois que passaram também a reprimir e espancar jornalistas, jovens de classe média nas manifestações de junho de 2013 além dos habituais jovens negros das periferias.

Mas a pergunta que ainda se faz é a mesma da banda Titãs em duas de suas músicas: “Desordem” e “Polícia”. Qual ordem é essa afinal que eles querem manter e a quem serve a polícia? A única ordem que eles podem querer manter a ordem do capital, a ordem da exploração dos trabalhadores e reprimir sem pensar quando são chamados pelos democráticos governantes, como no caso do governador do Pará (Beto Richa- PSDB). A herança da Ditadura Militar se faz presente até hoje, especialmente quando se vê que não houve mudança legal alguma sobre o tema e que a chamada “Constituição Cidadã” de 1988 não alterou uma vírgula no que diz respeito a esse tema, ao contrário, ela defende a existência da PM (esse aliás, foi o argumento que o país usou para responder aos questionamentos da ONU sobre o fim da militarização na polícia). Por outro lado, os chamados “Autos de Resistência” (quando um abordado resiste a prisão e é morto ou ferido, por exemplo) continuam ocorrendo diariamente. Esse foi mais um argumento criado pela ditadura pata justificar e esconder os crimes de tortura durante o regime, além das “Comunidades de Informação” (para investigar, vigiar e monitorar a sociedade, usado principalmente hoje para reprimir protestos e manifestações) ou o subsídio e manutenção de batalhões da morte como a ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) e o BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) ambos criados durante o regime.

Por outro lado, pesquisas como do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostraram que a desmilitarização da polícia é algo defendido pela população, apesar do falso argumento lançado de que, ao acabar com a Polícia Militar estaríamos dando vez aos bandidos e pondo em cheque a segurança da população, coisa que não se mostra nos dados: 73,7% dos policiais apoiam a desmilitarização. Entre os PMs 76,1% pensam do mesmo modo.

 

E qual a alternativa?

 

Desmilitarizar a polícia não significa abria caminho para a criminalidade. A prática mostra que essa organização, criada para matar, torturar e perseguir, não combina com uma sociedade que defende a democracia. E mais: países que desmilitarizaram suas polícias, formaram novos policiais com uma outra formar de servir a sociedade e repararam os crimes cometidos por ditaduras, como Paraguai e Chile, reduziram enormemente seus índices de violência e corrupção. Isso foi possível graças mudanças em seus sistemas judiciais, a criação das Comissões da Verdade, e a reforma de todo o sistema penitenciário, sem precisar privatizá-lo.

No Brasil a Comissão Nacional da Verdade pediu, além da desmilitarização da polícia, uma reformulação da chamada Lei da Anistia, criada pelos militares para pôr uma pedra sobre os crimes cometidos durante os 21 anos de repressão. Além disso, três Propostas de Emendas Constitucionais (PEC) tramitam em nosso país: as PECs 430 (de 2009), a 102(de 2011) e a 51/2013, visando a desmilitarização bem como a junção das polícias Civil e Militar, distintas em relação ao campo de atuação (ostensivo e investigativo). Hoje, gasta-se duas vezes por termos duas polícias, sendo que a Polícia Civil possui

todos os direitos trabalhistas, enquanto a PM é tida como “reserva do exército”, divisão criada pela ditadura em 1969.

Outra proposta que parece interessante é a regulamentação das Guardas Municipais, aprovada por Dilma por meio da PLC 39/2014, que cria o Estatuto Geral dos Guardas Municipais.  De formação preventiva, voltada para atuar diretamente com a comunidade, protegendo o patrimônio público e a vida, em detrimento da defesa da ordem e a postura ostensiva das PMs, os Guardas Municipais poderiam ser colocados de maneira mais efetiva para intervir em nosso país. Claro que não podemos ter ilusão referente a tal mudança e reivindicação. O fato das PECs pela desmilitarização estarem tramitando todo esse tempo no Senado e encontrarem toda uma resistência para serem votados, debatidos e aprovados deixa claro o caráter classista que possui nossas leis e quem está interessado em manter a repressão sobre os trabalhadores e lutadores sociais de nosso país. Também não basta apenas criticar o policial pela sua farda ou as posturas ideológicas que ele defende. Entender que são tão vítimas do sistema e explorados como todos nós é fundamental para travar esse debate e trazer cada vez mais militares para a linha de frente contra esse sistema de reprime e transforma tudo em armas ou alvos e defender o socialismo como garantia de modificação dessas desigualdades epelo fim da violência, que não é apenas uma questão de raça, cor ou gênero. É uma questão de classes.