Fámilia: Peça de Museu ou Decoração?

família composta

Arte do livro Família Composta, peça de teatro de Domingos Pellegrini

 

As condições materiais são determinantes e definitivas, quando falamos sobre viver em uma sociedade cada vez mais consumista. Constituir família, criar filhos, possuir uma renda que possibilite uma instabilidade para educar, manter, e assegurar um futuro para aqueles que amamos são termos pouco utilizados, pela grande parcela da população, e escassos quando partimos “para a ponta do lápis”.

A sobrevivência econômica e financeira depende exclusivamente do modo de produção a que a sociedade está inserida, e esse modo de produção é quem define todo o perfil desse ente, chamado sociedade. Assim, podemos notar o quanto a família mudou com o passar dos anos e como vem se modificando cada vez mais.

Hoje já não é tão comum a ideia de se casar tão cedo, ter vários filhos, a mulher cuidar exclusivamente dos afazeres domésticos enquanto o homem, provedor absoluto, sustenta a família a qualquer preço. O mundo mudou. Com uma economia cada vez mais globalizada e as necessidades de mão de obra urgente, as lutas do movimento social em prol de garantia de direitos e a emancipação feminina, seja pela conquista do voto ou de mais espaço no ambiente de trabalho, deixam claro que o modelo de família não cabe mais em nossos dias, e isso é natural. A sociedade apenas possui costumes e tradições (apenas) que não são imutáveis, como querem assegurar algumas religiões.

Difícil achar quem queria hoje, aos seus dezoito ou dezenove anos, casarem, terem dois ou três filhos e morarem de aluguel em algum bairro perto do subúrbio. Mas o que mais chama atenção é a forma como o estado se coloca em relação a esse tema, seja, ora visando o paternalismo assistencialista (como é o caso do programa Minha casa, Minha vida ou bolsa família) ou se colocando totalmente alheio a questões como a garantia de uma educação pública de qualidade e uma saúde digna.

Assistir as famílias carentes é mais que um dever, é obrigação do estado, especialmente se tratando de um estado capitalista, que ao longo dos anos só entregou a grande população negra, pobre e carente de nosso país a exploração, o analfabetismo a droga e a violência, sem nem precisar repetir nossas origens históricas nessa colônia de exploração. Por outro lado, apenas manter programas assistencialistas sem ir fundo na solução para os problemas sociais que enfrentamos no Brasil não irá sair de nosso canto e continuaremos a ver navios, sejam eles negreiros ou não.

Em um estado onde se confunde “educar” os filhos com “criar” os filhos, a educação pública serve apenas para, literalmente, enxugar gelo, não há saúde pública ou condições mínimas da mulher que é mãe trabalhar tendo onde deixar seus filhos, por exemplo, são sintomas de como a carga está toda jogada na cabeça desse ente chamado família, bombardeada por todo o tipo de visões e preconceitos que já deveriam ter sido extinguidos, como a imposição religiosa sobre o casamento, a manutenção da visão escravizante da esposa como “mantenedora do lar”, tornando-a quase uma empregada destinada a chamada jornada dupla (ou tripla, se ela for mãe) fora as ideias degeneradoras como o falso mito da liberdade sexual, a divinização da prostituição ou o feminismo que coloca o homem como o principal inimigo da mulher.

A realidade deixa cada vez mais claro que as origens da degradação feminina tiveram inicio com a propriedade privada. A mulher, que antes era mercadoria de troca para os acordos familiares, os dotes e etc., também herdou a parte privada da sociedade através do formato do casamento, o que mostra em nossos dias como essa busca pelas aparências e as exigências do novo momento do capital tem sido decisivos para desmantelar a família e fragmentar as relações afetivas, sexuais, amorosas na sociedade. Uma sociedade cada vez mais doente e cheia de contradições ainda mais visíveis.

A fragmentação da família e só mais uma demonstração de como nossa realidade é modificada e tem se destruído, à medida que as crises de produção se mostram cada vez mais fortes. Dos romances de Eça de Queiroz e Machado de Assis, aos noticiários das seis vemos o quanto sentimentos como carinho, amor e respeito tem sido jogados na lata do lixo ou substituídos por relações frias, distantes e descartáveis. O capital transforma tudo em produto. Só outra sociedade para salvar o pouco que ainda resta dessa peça de museu chamada família.